Por TIMOTHY WILLIAMS
BASRA, Iraque — O brilho alaranjado das gigantescas chamas de gás natural nos campos petrolíferos em volta de Basra é emblemático dos fartos recursos naturais dessa agitada cidade iraquiana. Mas, para a população carente que vive perto delas, as chamas vêm apenas recordar a sua incapacidade de compartilhar as riquezas que se escondem debaixo de seus pés.
A área que cerca Basra, segunda maior cidade do Iraque e maior porto do país, responde por até 80% da produção petrolífera iraquiana. Preparando-se para vender seus maiores campos petrolíferos virgens a empresas estrangeiras em um leilão marcado para dezembro, ela emergiu como a maior esperança iraquiana de alcançar estabilidade e prosperidade. Dos 5 maiores campos parte do leilão, 4 ficam em Basra e redondezas.
No entanto, apesar das riquezas ocultas sob seus campos de petróleo, essa cidade de 3 milhões de habitantes figura entre os lugares mais pobres do Iraque. A poucos quilômetros de campos onde o petróleo boia acima da superfície em enormes lagoas negras, moradores vivem em meio a lama e fezes. Carroças puxadas por burros dividem as ruas cheias de lixo com os carros. Os índices de câncer infantil estão entre os mais altos do Iraque.
As centenas de milhares de pessoas que vivem em povoados em volta dos campos sonham em trabalhar neles, mas a probabilidade de que o consigam é pequena. Aqueles que se candidatam quase sempre ouvem que não têm a instrução ou a experiência necessárias para trabalhar com petróleo. Mas pensam que o que lhes faz falta realmente são apenas conexões ou dinheiro para pagar propinas.
“As pessoas sentam aqui à noite, olhando as chamas, e se perguntam quanto poderiam enriquecer se pudessem trabalhar por uma hora com o petróleo exportado”, disse Naeem al Moussuawi, morador de um dos vilarejos mais pobres da região de Basra.
No mês passado, depois de o Ministério do Petróleo iraquiano ter anunciado que pretendia contratar trabalhadores para sua South Oil Company, sediada em Basra, milhares de pessoas fizeram fila para se candidatar. Entre elas estavam homens maltrapilhos e de pés descalços e enlameados. Quando a fila ficou desordenada, a polícia foi chamada. Alguns dos candidatos foram espancados. Mais de 27 mil candidaturas foram apresentadas para 1.600 vagas de trabalho —a maioria das quais requer instrução universitária ou experiência, sendo que os moradores de Basra não tem nem uma coisa, nem outra.
Oleodutos percorrem o perímetro do povoado de Asdika, onde milhares de pessoas vivem em casas decrépitas feitas de concreto e cobertas de lonas de plástico. Não há serviço de coleta de lixo; o lixo doméstico é atirado nas ruas para apodrecer ao sol. Não há sistema de esgotos, de modo que a água usada nas casas é jogada do lado de fora, atraindo moscas para as lagoas de esgoto não tratado formadas diante da maioria das casas. E quase todos os moradores estão desempregados.
O povoado fica em terreno pertencente ao governo —um campo petrolífero—, e sua existência é ilegal. Os moradores contam que de vez em quando a polícia aparece e ameaça demolir as casas. Hussein Flaeh, 29, é desempregado, tem dois filhos e vive em Asdika desde 2003. Quinze membros de sua família dividem uma casa de três cômodos pequenos. Numa manhã recente, seu filho mais novo, Essam, nascido há poucas semanas, foi colocado diante da casa para receber ar fresco. Quase imediatamente o rosto do bebê estava coberto de moscas famintas.
Indagado se alguma vez já se candidatara a um emprego na refinaria, Flaeh pareceu perplexo e se calou. Quando a pergunta foi repetida, seu rosto gentil endureceu. “Não dá nem para chegar até lá”, disse. “Nem fale sobre isso.”
Funcionários governamentais em Basra pedem que uma taxa de US$ 1 seja cobrada sobre cada barril de petróleo produzido na Província, dinheiro que seria empregado em projetos locais. Mas, mesmo que Basra fosse repentinamente inundada por petrodólares, a construção de novas casas e o preparo de novas terras agrícolas provavelmente seriam proibidos, já que tudo na região se situa acima de reservas de óleo cru ainda não exploradas.
“Noventa por cento de Basra é um campo petrolífero”, disse Ahmed al Sulati, membro da Câmara provincial local. “Não podemos construir nada aqui. Precisaríamos de mais casas nos bairros, mas não podemos erguê-las porque estamos cercados de petróleo.” Enquanto isso, disse ele, “ficamos doentes por inalar gás, e as ruas são destruídas pelos caminhões de petróleo”.
“Todo o mundo gostaria de trabalhar para uma petrolífera”, disse o morador Moussuawi. “Somos pobres e não temos instrução. Mas as pessoas veem os caminhões cheios de óleo e se perguntam para onde está indo o dinheiro.”
Colaboraram Duraid Adnan e funcionários iraquianos do “New York Times”